SP-Arte 2024

SP-Arte 2024

03 abr 24 - 07 abr 24

O Museu de Arte Moderna de São Paulo apresentou na 20ª SP-Arte a nova edição do Clube de Colecionadores, com obras dos artistas André Ricardo, George Love e Lucia Laguna. O estande do MAM também contou com obras de edições anteriores que marcaram a história do Clube, dos artistas: Adriana Varejão, Angelo Venosa, Arcangelo Ianelli, Ascânio MMM, Carlos Zilio, Cildo Meireles, Jonathas de Andrade, Laura Vinci e Mário Cravo Neto. São trabalhos de linguagens e técnicas variadas, que representam o caráter transdisciplinar da arte contemporânea e dos comissionamentos do Clube de Colecionadores do MAM.

A obra de Cildo Meireles foi realizada especialmente para os 70 anos do MAM São Paulo. Elaborada a partir de um projeto datado de 1970, OVOS – versão I – 1a edição (1970/2018) está inserida na pesquisa sobre sistemas de medição que o artista iniciou no final dos anos 1960. Meireles se apropria desses sistemas a fim de subverter os padrões comuns que eles estabelecem, produzindo, assim, um estranhamento que desampara as convenções que nos conformam em comunidade. Na obra dos 70 anos do MAM, seis objetos que se assemelham a ovos são encaixados dentro de uma pequena caixa de madeira, porém, nessa “meia dúzia de ovos”, unidade básica de medida na alimentação e no cotidiano de muitos, cada “ovo” foi feito com um peso diferente. Mesmo que pareçam ser quase idênticos, a manipulação deles torna a diferença evidente.

A simultaneidade do comum e do diferente também está presente nos trabalhos de Adriana Varejão e Jonathas de Andrade. Na fotografia deVarejão, Botequim Humaitá (2009), a presença uniformizante e soturna do azulejo reverbera no recorte fotográfico que planifica a profundidade do bar. O reconhecimento comum desse cenário é subvertido pela azulejaria dominante, que, na produção da artista, não está longe de formar um sistema de medida da nossa herança colonialista. Rompendo com a forma clássica da gravura por ser uma peça tridimensional, o trabalho de Jonathas de Andrade, Problemas nacionales (2012), sugere que as problemáticas do contexto brasileiro são comuns a outras nações do nosso continente. O uso concomitante dos idiomas português e espanhol alude ao processo de colonização e às suas consequências, compartilhadas similarmente pelos países latino-americanos.

Uma tiragem de Menina de branco, Festa do Bonfim, Salvador (1994/2020), de Mário Cravo Neto, foi comissionada pelo MAM em comemoração aos 20 anos do Clube de Colecionadores de Fotografia. Cravo Neto foi um dos precursores da circulação da fotografia brasileira no exterior, disseminando uma produção atenta aos limites entre a foto documental e a expressão subjetiva do olhar fotográfico. A edição comemorativa do Clube integra-se às poéticas limiares da fotografia na medida em que a caracterização como registro é confrontada pela aparência onírica da imagem. Na obra, a nuca da menina tipicamente vestida de branco é encarada de perto por um um olhar impedido de atravessar e se dirigir ao espaço, que é fúlgido, mas desfocado. A figura é contornada pela claridade que emana do ambiente, diluído pela incandescência das roupas brancas, produzindo um forte contraste com a pele radiante e matérica em primeiro plano. A sensibilidade do jogo entre figura e fundo também é notável nas gravuras de Carlos Zilio e Laura Vinci. Em Tamanduá e o Cosmos (2017), Zilio se usa da técnica da gravura em metal para realizar uma espécie de impressão negativa, trazendo o suporte do papel, que seria o fundo, para o primeiro plano, na forma alusiva de um tamanduá. A impressão escura, não uniforme e porosa, destoa da densidade e claridade dessa forma, gerando a impressão de um espaço distante, um ecrã formado por escuridões e vazios. Na gravura de Vinci, Branco (2004), a frase “o branco do rio passa”, que aparece apenas em relevo, faz referência à instabilidade da percepção. A leitura do texto é dificultada pela quase ausência de contraste com o fundo, com o branco do próprio papel, o que sincronicamente reforça a ideia central do texto: a presença do branco (isto é, da luz) no rio é transitória.

No ano passado, em ocasião dos 75 anos do MAM, foi produzida uma tiragem de setenta e cinco exemplares de uma escultura de Arcangelo Ianelli. Como artista e como profissional do meio, Ianelli foi uma figura muito ativa na trajetória institucional do museu, em especial no período entre as décadas de 1960 e 1990. Elaborada a partir de um desenho inédito, a edição comemorativa da escultura sem título (1990/2023) é sumária de toda sua obra. Ela possui o aspecto fosco de suas pinturas e também evoca a busca vitalícia do artista pela essencialidade, da cor e da forma. A obra é constituída por dois elementos planos de aço que, dobrados, se erguem e se escoram um no outro. Entre eles, uma pequena fresta permite a passagem de luz, que ameniza a densidade do material e da cor. A opacidade das superfícies pretas, porém, absorve muito da luminosidade e suas nuances, preservando de forma sólida o equilíbrio instável e o movimento contido nas aberturas formadas pelas dobras do metal. O efeito sensível produzido por formas instáveis também é caro aos trabalhos de Angelo Venosa e Ascânio MMM. Na impressão de Venosa, WYSIWYG (2018), a opacidade do material sob o qual despontam formas aparentemente ósseas confere um aspecto orgânico e uma textura de pele inervada à superfície. O seu formato circular e a presença de um disco metálico no centro produzem a impressão de movimento e provocam ainda mais estranhamento sobre os volumes e as sombras projetadas. A manipulação de Livro arquitetura 7 (1983/2020) de Ascânio MMM sugere que a forma e o volume de um livro, normalmente imutáveis, podem servir de meios para novas possibilidades construtivas nas mais diferentes escalas. A modulação que caracteriza essa obra é sustentada pelo aspecto fosco do material eleito pelo artista, o papel cartão, que atribui uma unidade visual constante para qualquer formulação experimentada.

 

Saiba mais: https://www.sp-arte.com/galerias/mam-museu-de-arte-moderna-de-sao-paulo/

 

Gabriela Gotoda
Curadoria MAM São Paulo

 

artistas

Adriana Varejão (Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 1964) | André Ricardo (São Paulo, SP, Brasil, 1985) | Angelo Venosa (São Paulo, SP, Brasil, 1954 - São Paulo, SP, Brasil, 2022) | Ascânio MMM (Fão, Portugal, 1941) | Arcangelo Ianelli (São Paulo, SP, Brasil,1922 - São Paulo, SP, Brasil, 2009) | Cildo Meireles (Rio de Janeiro, RJ, Brasil 1948) | Carlos Zilio (Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 1944) | George Love (Charlotte, Carolina do Norte, Estados Unidos, 1937 – São Paulo, SP, Brasil, 1995) |Hércules Barsotti (São Paulo, SP, Brasil, 1914 –2010) | Jonathas de Andrade (Maceió, AL, Brasil, 1982) | Laura Vinci  (São Paulo, SP, Brasil,1962) | Lucia Laguna (Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil, 1941) | Mário Cravo Neto (Salvador, BA, Brasil, 1947 - Salvador, BA, Brasil 2009)


 

imagens

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